"Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem."
Suponhamos que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!? (Sagan, 2006).
Você pede para ver este incrível dragão e eu o levo, sem cerimônias, até minha garagem. Mas daí, para sua decepção, a garagem está assim:
"Onde está o dragão?", você pergunta. E eu respondo que ele é invisível. Você pede então para jogar farinha no chão, para que possamos ver suas pegadas, e eu concordo. Mas após o teste, nenhuma pegada surge e eu respondo: "É que ele voa...".
Mas você, se for crítico, cético, não desistirá de ver o dragão. A próxima ideia é borrifar tinta no ar. Eu acho ótima ideia e pegamos um galão de tinta e borrifamos em toda a garagem. Mas nada de dragão. Eu então explico: "É que o dragão é imaterial!".
As coisas começam a ficar difíceis. Você pensa então num último teste. Se o dragão solta fogo pelas ventas, ele poderia, com sua baforada, queimar alguma coisa? Eu concordo e selecionamos várias coisas para queimar ou esquentar: uma barra de metal, uns gravetos, uma lata com água... Eu peço para o dragão usar sua baforada e, muitos minutos depois, tudo continua como antes. Agora eu respondo: "É que ele é tímido e só solta fogo quando as pessoas não estão vendo."
Se é este o problema, você propõe que todos saiam de perto. Mas eu falo que eu preciso estar perto. Então você pensa "e como garantir que foi o dragão que esquentou algo?" então você concorda, mas quer o uso de uma filmadora. Relutantemente eu aceito e, depois de tudo pronto, os testes são feitos. Mas tudo continua igual e eu dou uma nova desculpa como "O fogo mágico não é quente".
Acho que vocês entenderam onde quero chegar, não? Este texto é baseado, quase que copiado, do capítulo "O dragão em minha garagem" do livro "O mundo assombrado pelos demônios", de Carl Sagan (que eu falei ontem neste post aqui). O texto mostra muito bem como funciona o pensamento crítico e como, diante de argumentos experimentais, desculpas são criadas para manter a fé, o credo e até mesmo para invalidar o método científico.
A pseudociência funciona de forma parecida também. Parecida no sentido de querer usar métodos científicos para explicar as coisas mas, quando o método científico mostra que não há nada, a pseudociência acaba usando desculpas ou até alterando dados para validar suas idéias.
Exemplos de pseudociência são os estudos de Óvnis de casos de paranormalidade (paranormal, como o nome deixa claro, é algo além da normalidade, além da natureza. Logo, a ciência não pode explicar pois a ciência explica a natureza), mediunidade, astrologia, entre outros. Um exemplo bem clássico de pseudociência é a homeopatia. Entrarei em mais detalhes sobre a homeopatia em outro texto, mas para demonstrar como as coisas acontecem, a homeopatia servirá bem. No início do século 20, com o desenvolvimento da medicina, foram criados testes para comprovar que medicamentos são eficazes. São os testes duplo-cego, no qual um grupo de pessoas recebe o medicamento e um grupo de pessoas recebe algo que não faz nada, o placebo (açúcar ou água, por exemplo). Nenhum dos pacientes sabe se está tomando o medicamento ou o placebo. Um medicamento é considerado eficaz, quando o número de pessoas que melhoram tomando o medicamento é bem maior que o número de pessoas que melhoraram tomando o placebo. Bem, a questão é que os medicamentos homeopáticos sempre falham no teste duplo cego (e são 100 anos de testes), ou seja, eles não são melhores que água ou açúcar se você acreditar que a água vai realmente curar alguma coisa.
Mas qual a resposta dos homeopatas? São muito parecidas com as desculpas que dou para defender meu dragão. Em geral, eles dizem que a eficácia dos remédios homeopáticos não pode ser verificada pelo teste duplo-cego. E se você propõe outros tipos de testes (que funcionam com medicamentos convencionais), os homeopatas aceitam fazer os testes, mas quando o teste mostra que a homeopatia é tão eficaz quanto água a resposta é sempre a mesma: "este teste funciona para tudo, menos para homeopatia". No fim, terminamos ouvindo coisas como: "A ciência atual não explica tudo e a homeopatia é uma destas coisas que a ciência não tem como explicar".
Pois bem. Garanto que se amanhã um teste comprovasse a eficacia da homeopatia, todos os homeopatas alardeariam o fato de como a ciência demonstra e prova que a homeopatia funciona. E assim é com todas as pseudociências, elas se parecem com ciência, usam testes, palavras e postura muito similares a ciência, mas no fim, são apenas fé (ou seja, você defende sua posição independentemente dos argumentos). O problema disso é que a pseudociência se parece tanto com ciência que até mesmo muitos cientistas não conseguem diferenciar as duas. E se cientistas tem dificuldade em dizer o que é pseudociência e o que não é, imagine todas as outras pessoas. No fim, a pseudociência causa desinformação e, mais grave, causa o descrédito científico. E isto é algo que precisa ser evitado, combatido, de todas as formas. Por isso, eu continuarei a abordar a pseudociência em muitos outros posts, falando de astrologia, Óvnis, milagres, fantasmas e, claro, homeopatia.
*Sagan, C. O mundo assombrado pelos demônios. Ed. Companhia das Letras. 448pp. 2006.
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