A ciência como uma vela no escuro (Carl Sagan)

Nos séculos 18 e 19, as mentes de brilhantes pessoas transformaram o mundo que conhecemos. O mundo saia do antropocentrismo e misticismo para iniciar uma nova era baseada no método científico. O antropocentrismo recebeu três derradeiros golpes, o primeiro dado por Newton (que provou que não estamos no centro do universo), o segundo dado por Darwin (que provou que não somo criados por Deus e que somos como qualquer outro animal) e o último dado por Freud (que desmascarou nosso egocentrismo). Mesmo assim, muitos humanos preferem negar a ciência, os fatos e o método científico, para se agarrar ao misticismo, pseudociência e a fé religiosa. Este blog tem como objetivo, divulgar a ciência, falar sobre ateísmo e religião e instigar o senso crítico. Aqui a ciência será colocada como uma vela que foi acesa com o objetivo de afastar a escuridão.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A memória da água - Parte 1


A alguns posts atrás eu falei um pouco sobre pseudociência e usei como exemplo a homeopatia. No entanto fui confrontado com afirmações do tipo “a memória da água pode existir sim, e existem experimentos que apontam essa possibilidade.” Bom, para responder a este tipo de argumento, vamos falar sobre a memória da água. A memória da água é a hipótese de que a água possui a habilidade de reter a memória funcional de substâncias previamente dissolvidas a uma diluição arbitrária. Não existe evidência científica para tal hipótese, além do fato de que, se a água tiver a habilidade de memória, isso violaria todas as leis da física, química e biologia. Mas vamos lá.


Sempre, quando lidamos com qualquer tipo de informação, é preciso contextualiza-la, pois isso pode nos dar uma boa pista sobre as intensões dos autores de tais informações (e isso já nos dá uma dica da plausibilidade das mesas). A sugestão de que a água possui a habilidade de memória foi feita pelo pesquisador francês Jacques Benveniste, em 1988, durante um período que a indústria da homeopatia sofria forte pressão para explicar como que água pura poderia atuar como um medicamento específico. Apesar de Benveniste declarar que seu estudo não possuía interesse homeopático, dois de seus principais pesquisadores eram pagos pela Boiron, uma das maiores companhias de remédios homeopáticos do mundo.
 
Mas como funcionaria a memória da água. O que Benveniste fez para provar que a memória da água existe foi diluir anticorpos humanos em água, até o ponto em que não haveria mais anticorpos na solução (apenas água). Depois, ele usou esta água para ativar células do sistema imune humano (estas células só são ativadas na presença de anticorpos). Ele observou que as células foram ativadas pela água, o que indicaria que a água possuía uma “memória” adquirindo a mesma função dos anticorpos. Mais tarde, foi dada a explicação que a memória seria transmitida pela vibração destas moléculas e que esta vibração poderia ser gravada e passada por telefone para “memorizar” água um local remoto.

Os experimentos de Benveniste foram repetidos no mundo inteiro, afinal, tal resultado era digno de um prêmio Nobel. No entanto, os mesmo resultados só eram obtidos quando algum membro do laboratório de Benveniste estava presente e quando os pesquisadores sabiam quais tubos eram os experimentais (ou seja, em que se testava se a água “memorizada” ativaria as células). Sempre que não haviam membros do grupo de Benveniste ou quando os testes realizados eram duplo-cegos (ou seja, quem verifica os resultados do experimento não sabe qual tubo recebeu água “memorizada” e qual tubo recebeu água comum) os resultados mostravam que não havia o efeito de memória da água.

Assim, o trabalho de Benveniste foi considerado uma fraude (ou ingenuidade do autor) e Benveniste caiu em descrédito, recebendo dois prêmios Ignobel (o prêmio para a pior pesquisa científica feita). Mas o fato é que todos os homeopatas passaram a usar a memória da água como fato que explica os efeitos de medicamentos homeopáticos. E sempre que confrontados com os estudos criteriosos que mostram que tal efeito não existe, os mesmos homeopatas (e seus defensores) usam a desculpa de que a ciência atual não pode verificar o fenômeno e isso não quer dizer que ele não existe.

O que as pessoas ignoram é que: 1) não é a ciência que desqualifica a hipótese de memória da água, mas sim a observação crítica e o rigor metodológico que o fazem. 2) o contexto no qual a hipótese da memória da água foi criada; 3) o fato de que, se fosse verdade, tudo o que conhecemos de física, química e biologia seriam derrubados. Em especial a biologia no qual a interação entre moléculas possui um papel muito bem descrito e resolvido. Não que isso seja ruim ou proibido, mas é muito pouco plausivel; e 4) a lógica simples com perguntas simples como: “porque só a água adquire a memória?” ou “como a água é desmemorizada e como ter certeza disso?”

No próximo post vou falar um pouco mais sobre as implicações desta hipótese. Vamos considerar a hipótese verdadeira, que a água pode adquirir memória, ver algumas implicações disso e porque tal hipótese é muito pouco plausível.

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