A ciência como uma vela no escuro (Carl Sagan)

Nos séculos 18 e 19, as mentes de brilhantes pessoas transformaram o mundo que conhecemos. O mundo saia do antropocentrismo e misticismo para iniciar uma nova era baseada no método científico. O antropocentrismo recebeu três derradeiros golpes, o primeiro dado por Newton (que provou que não estamos no centro do universo), o segundo dado por Darwin (que provou que não somo criados por Deus e que somos como qualquer outro animal) e o último dado por Freud (que desmascarou nosso egocentrismo). Mesmo assim, muitos humanos preferem negar a ciência, os fatos e o método científico, para se agarrar ao misticismo, pseudociência e a fé religiosa. Este blog tem como objetivo, divulgar a ciência, falar sobre ateísmo e religião e instigar o senso crítico. Aqui a ciência será colocada como uma vela que foi acesa com o objetivo de afastar a escuridão.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Evidências da Evolução

Órgãos Vestigiais e a Sequencia dos Fósseis

Segue a segunda parte da série de vídeos sobre as evidências evolutivas. Neste vídeo é discutido como a sequencia de fósseis e a existência de órgãos vestigiais são melhores explicados quando visto a partir da evolução.


O registro fóssil é ótimo para nos ajudar a explicar a evolução, especialmente quando observamos fósseis de transição (algo que possui características de ave e de réptil ao mesmo tempo). Mas apenas encontrar os fósseis de transição não é o suficiente, eles também devem satisfazer os testes de sequência, ou seja, a idade do fóssil deve combinar com a transição da forma primitiva até a forma moderna.


Datar os fósseis é um processo relativamente simples, usando vários métodos para determinar e confirmar a idade. Alguns cuidados devem ser tomados para confirmar que as datas são as mais antigas aparições de cada fóssil já que não existe razão para uma forma transicional ser extinta antes de uma forma moderna aparecer. E não há razão para uma forma bem-sucedida não poder resistir longos períodos de tempo com poucas mudanças. Como o crocodilo moderno, que está assim há 100 milhões de anos; e a barata, que mantém a forma há 280 milhões de anos.

Se considerarmos nosso exemplo de réptil-para-passaros e datarmos as formas intermediárias nós veremos que eles estão precisamente na ordem correta. Uma visão mais ampla também passa na sequência de testes. Procariotos aparecem primeiro, seguidos de esponjas e estrelas-do-mar, seguidos por peixes, anfíbios, répteis e mamíferos. Vamos falar sobre isso depois, em outro post.

No exame da estrutura dos organismos, nós frequentemente encontramos órgãos que não tem função ou tiveram uma funcionalidade modificada, completamente descaracterizada com a estrutura. Por exemplo, asas são estruturas complexas especificamente adaptadas para o vôo. Então por que avestruzes possuem asas? A asa de uma avestruz certamente não é inútil para ela, mas certamente são inúteis como asas. Os olhos cegos de uma toupeira, peixes das profundezas e salamandras são facilmente explicados com referência aos seus ancestrais que tinham necessidade dos olhos. Cobras são claramente descendentes de répteis de quatro patas. A maioria das cobras ainda carregam vestígios de bacias escondidos sobre a pele. Essas bacias inúteis não são sequer ligadas à estrutura vertebral, mas simplesmente estão soltas na cavidade abdominal. Vários lagartos "sem patas" carregam vestígios de patas rudimentares dentro da pele, indetectável do lado de fora (o mesmo acontece com algumas baleias).

O dente-de-leão se reproduz sem fertilização, mesmo assim eles ainda possuem flores e produzem pólem, inútil para o dente-de-leão, mas não para seus antecessores. Vários besouros do esterco ainda carregam asas completas do seu antecessor, mas as carregam dentro de sua "casca de asa" fundida. Os ancestrais herbívoros dos humanos são responsáveis por nosso inútil dente siso e nosso apêndice. E nosso cóccix é um resto do nosso desenvolvimento, nos ligando a nossos ancestrais que tinham rabos externos.

Não existem estruturas vestigiais que não fossem úteis e funcionais em nossos antecessores. Todos os órgãos vestigiais fazem sentido apenas na estrutura da evolução. E, é claro, nunca encontramos órgãos vestigiais que vão contra a evolução! Nenhum mamilo em anfíbios, ou vestígios de penas em mamíferos. Nenhum primata carrega vestígios de chifres ou asas degeneradas e não encontramos artrópodes com espinha dorsal.

Se criaturas evoluíram uma das outras, deve haver uma trilha geográfica. Marsupiais são um bom exemplo. Com poucas exceções, marsupiais habitam Austrália. O gambá e algumas espécies sul americanas são explicadas pelo afastamento dos continentes. A América do Sul e a Austrália eram conectadas e foram separadas apenas DEPOIS dos marsupiais evoluírem. Não é interessante? Igualmente, mamíferos com placentas virtualmente não existiam na Austrália até que nós os introduzirmos lá. A América do Sul, África e Austrália possuem dipnoicos, pássaros struthioniformes como as avestruzes e emas, no qual não existem em nenhum outro lugar. Os parentes mais próximos dos humanos são os grandes primatas indígenas da África então não é nenhuma surpresa nós encontrarmos nossa origem lá também.

Testes feitos em partes particulares vestigiais mostram similaridades na estrutura porém, diferenças nas funcionalidades. Se as espécies evoluíram umas das outras, as novas espécies devem sempre possuir membros e órgãos de seus ancestrais. Se nós examinarmos a estrutura dos ossos nas mãos dos primatas, nas asas de morcegos, pássaros e pterossáuros, nas nadadeiras de baleias e asas de pinguins, nas patas dos cavalos, toupeiras e sapos, descobriremos que eles TODOS tem os mesmos ossos nas mesmas posições relativas.

O diagrama de árvore claramente demonstra porque espécies diferentes possuem esta mesma estrutura. É porque eles têm descendentes comuns que possuem estas estruturas. Os dados de fósseis também confirmam esta conclusão já que eles fornecem uma progressão cronológica de formas intermediárias. Nós ocasionalmente encontramos explicações para o que parece ser um design mal feito, trilhando a origem da estrutura dos corpos de nossos ancestrais.

Os vasos respiratórios e gastrointestinais dos mamíferos cruzam um com o outro, então nós não podemos respirar e engolir simultaneamente. Por que essa anatomia mal feita existe? Um antigo antepassado, um dipnoico, engolia ar para respirar (alguns peixes da Amazônia fazem isso) e a bexiga que segurava o ar foi o precursor dos nossos pulmões. Mesmo isso nos causando problemas, humanos herdaram este design com a boca conectada com ambos sistemas digestivos e respiratórios. Não é interessante? E surge a pergunta: Se nós tivéssemos sido criados separadamente dos peixes (ou seja, não tivéssemos evoluído a partir de peixes) seria muito melhor não possuirmos um sistema respiratório destes, não é?

A biologia, a anatomia, a medicina, a vida, fazem muito mais sentido quando vistas de um ponto evolutivo!
Todos estes exemplos são apenas uma parte das evidências. Continuarei discutindo isso nos outros vídeos.


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Evidências da Evolução

Encontrei este ótimo vídeo que fala sobre as evidências da evolução. São seis partes e em cada semana postarei uma parte.

Nesta primeira parte o vídeo dá uma introdução ao assunto e já discute como usamos características em comum para agrupar as espécies, e como esse agrupamento é muito preciso e, sempre leva a um ancestral em comum. O vídeo também mostra o exemplo dos ossos do nosso ouvido e como eles evoluíram a partir de ossos na mandíbula dos répteis.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Definição: O que é Macroevolução?

(Post inspirado em Evolution Academy e Evolução 101)


Macroevolução geralmente se refere a evolução acima do nível espécie. Então, ao invés de focarmos em uma espécie de besouro em especial, uma lente macroevolutiva pode exigir que distanciemos o olhar, para avaliar a diversidade do clado de besouros e sua posição na árvore da vida.


Macroevolução refere-se a evolução de grupos maiores que uma espécie individual.
A história da vida, em grande escala.
Macroevolução engloba as maiores tendências e transformações na evolução, como a origem dos mamíferos e a irradiação das plantas com flores. Padrões macroevolutivos são o que geralmente vemos quando olhamos para a história da vida em larga escala.

Não é necessariamente fácil “ver” a história macroevolutiva; não há relatos em primeira mão para serem lidos. Ao contrário, nós reconstruímos a história da vida usando todas as evidências disponíveis: geologia, fósseis e organismos vivos.

Uma vez que tenhamos descoberto qual evento evolutivo aconteceu, podemos tentar descobrir como aconteceu. Assim como na microevolução, mecanismos evolutivos básicos como mutação, migração, deriva genética, e seleção natural estão em funcionamento e podem ajudar a explicar muitos padrões em larga escala na história da vida.

Os mecanismos evolutivos básicos – mutação, migração, deriva genética e seleção natural – podem produzir alterações evolutivas de grande porte se lhes for dado tempo suficiente.



Um processo como mutação pode parecer que acontece em uma escala muito pequena para influenciar um processo tão surpreendente como a irradiação de besouros ou tão grande como a diferença entre um cachorro e um pinheiro, mas não é. A vida na Terra tem acumulado mutações e transmitindo-as através do filtro da seleção natural por 3,8 bilhões de anos – tempo mais do que suficiente para o processo evolutivo produzir sua grandiosa história.



E para terminar, nos dizeres de Fabiano Menegídio

"Depois dessa breve explicação do processo macro-evolutivo, vamos para o real foco desse artigo que é apresentar esse belo vídeo que explica a Micro e Macroevolução de uma forma muito simples, didática e inteligente. Creio que deveria ser propagado pela alta capacidade explicativa e a bela analogia apresentada.

Como cereja do bolo existe uma piada no final do vídeo envolvendo um dos criacionistas nacionais que mais gosto, o Sr. Albertossauro."

Evolução a olhos vistos – Exemplo do Lagarto de Parede


É de aceite geral, entre biólogos e muitos outros cientistas, que a evolução das espécies ocorre de forma lenta, ao longo de milhares ou milhões de anos. E esta é uma das grandes dificuldades no ensino de evolução. Porque a noção de “milhões de anos”, para nós humanos que vivemos em média 70 anos, é por demais abstrata. Em outro post eu falarei mais sobre como contornar esta abstração, mas por agora, vamos falar de exemplos que demonstram a evolução em uma escala humana (de uma ou duas gerações de seres humanos).

O primeiro exemplo que vou usar é do Lagarto-de-Parede, comum na Itália e no litoral do Mar Adriático. Em 1971, biólogos moveram 5 pares de adultos deste lagarto para uma ilha em que esta espécie não existia. Trinte e seis anos depois (36 anos), os biólogos retornaram sem ter qualquer idéia se os lagartos tinham sobrevivido ou não. Para a surpresa de todos, não só os lagartos haviam sobrevivido, como haviam sofrido mudanças drásticas em sua anatomia, fisiologia e até mesmo comportamento social. Apenas 36 anos e tantas mudanças!

As mudanças observadas, comparadas com os lagartos da população original, foram: Mudanças no tamanho e forma da cabeça, na força da mordida, desenvolvimento de novas estruturas no trato digestivo e, por fim, aumento nas densidades populacionais. Mas como tais mudanças ocorreram? 

Para isso é preciso entender um pouco o novo habitat em que estes cinco casais foram largados. Primeiro que o novo lar dos lagartos não continham nenhuma outra espécie de lagarto. Segundo que a ilha não possuía os insetos que os lagartos se alimentavam, ou seja, não possuía a presa natural, ou o alimento natural destes lagartos-de-parede. Como os lagartos sobreviveram então se não havia alimento para eles?

Bom. Não haviam os insetos, mas a ilha era toda coberta por uma espécie de planta fibrosa. Alguns lagartos conseguiam se alimentar desta planta e estes tiveram mais filhos (e seus filhos herdaram a capacidade de se alimentar das plantas). Os lagartos que não eram capazes de se alimentar de plantas, morreram de inanição (isso é Seleção natural). Quanto mais forte a mordida, mais fácil é para se alimentar de plantas fibrosas. Assim, a cada geração, alguns indivíduos nasciam com cabeças um pouco maiores que o normal. Como a cabeça maior está associada a uma mordida mais forte, estes indivíduos de cabeça maior tinham mais sucesso em ter filhos (que herdavam a cabeça maior). Desta forma, a cabeça maior, mais longa, com mordida mais forte, foi sendo selecionada ao longo das gerações.

Mas para se alimentar de vegetais, não basta uma boa mordida. Vegetais são de difícil digestão e a maioria dos animais herbivoros possuem sistemas digestivos adequados para lidar com esta digestão. Os sistemas digestivos de herbívoros podem ser caracterizados por duas coisas: 1) o trato digestivo é dividido em câmaras (separadas por válvulas) nas quais ocorre a fermentação da fibra vegetal e 2) o trato digestivo é ocupado por microorganismos que fazem esta fermentação.

A população original de lagartos (carnívora) não possuía nenhuma destas características de tratos digestivos. Mas 36 anos depois, os pesquisadores observaram que os lagartos transferidos para o novo habitat tinham válvulas cecais (que dividiam o trato digestivo em câmaras), e que cada câmara possuía um conjunto de microorganismos que faziam a fermentação das fibras vegetais. Essa é uma mudança drástica! Somente 1% dos répteis do mundo inteiro possuem um sistema digestivo assim e, quero salientar mais uma vez, o lagarto-de-parede não possui este sistema digestivo. Como os lagartos da ilha passaram a ter um sistema digestivo adaptado a digestão de vegetais? Da mesma forma que ocorreram as mudanças na forma e tamanho da cabeça. Alguns lagartos nasciam com o sistema digestivo um pouco mais compartimentalizado, e isso já era uma vantagem enorme na obtenção de nutrientes. Outros eram tolerantes a “infecção” pelos microorganismos que fazem fermentação e isso também conferia uma vantagem nutricional. Em algum momento, indivíduos com o trato digestivo mais compartimentalizado cruzou com indivíduos tolerantes a microorganismos fermentantes e, os filhotes, nasceram com grande vantagem em relação aos indivíduos que só faziam um ou outro. Assim, a cada geração, nascem indivíduos que possuem o sistema digestivo mais compartimentalizado e mais tolerante a microorganismos fermentantes.

Por fim, temos as mudanças na densidade populacional. E essa é mais fácil de entender. Os lagartos das populações originais se alimentam de insetos, ou seja, são caçadores. Eles dependem da habilidade de pegar a presa e, também da disponibilidade de presas. E estes são fatores limitantes na manutenção da baixa densidade populacional. Já os lagartos da ilha em questão, quando, após muitas gerações, a maioria dos indivíduos já eram bem adaptados a se alimentar de vegetais, eles possuíam pela frente não só um alimento em grande abundância, mas também um alimento muito fácil de se obter (afinal, plantas não fogem). Isso permitiu que a densidade populacional aumentasse bastante, pois a disponibilidade de alimento já não era mais um fator limitante.

Para fechar o assunto, quero salientar mais algumas coisas. É importante que o leitor note que as mudanças ocorrem a cada geração, ou seja, os indivíduos, depois que nascem, não mudam (anatômica e fisiologicamente) para se adaptar. O que ocorre é que a cada geração nascem indivíduos um pouco mais adaptados que seus irmãos. Também é importante salientar que, mesmo os lagartos da ilha, mesmo sendo muito diferentes das populações originais, não se são caracterizados como uma nova espécie. Eles podem até vir a se tornar espécies distintas no futuro (quanto mais tempo passar, maior a chance das populações se tornarem incompatíveis reprodutivamente), mas é impossível saber quanto tempo isso levará. Por fim, que este é um exemplo extraordinário de como mudanças anatômicas, fisiológicas e comportamentais podem acontecer em um espaço curto de tempo. E se tais mudanças podem acontecer em apenas 36 anos, imagine o que não aconteceria em 100 anos, 1.000 anos, em 1 milhão de anos ou, mais ainda, 100 milhões de anos (um tempo quase 3 milhões de vezes mais longo que os 36 anos vistos aqui)!

A evolução das espécies em números


Por Júlio César Barros, da Revista Pesquisa FAPESP Online

Agência FAPESP – É possível prever a evolução das espécies usando cálculos matemáticos? De que forma a separação geográfica contribui para a diversidade genética dos seres vivos? Foi em busca dessas respostas que o físico Marcus de Aguiar aplicou modelos teóricos a sistemas biológicos para criar um programa de computador capaz de simular a evolução de populações ao longo de múltiplas gerações e, de quebra, ajudar a entender o papel do espaço físico no surgimento de novas espécies.
Sem deixar o laboratório da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Aguiar e a equipe de pesquisadores liderada por ele simulou virtualmente o acúmulo de transformações pelas quais passou a ave asiática felosa (Phylloscopus trochiloides). Isso só foi possível, diz o professor, graças à enorme quantidade de dados coletados por grupos de cientistas sobre o pássaro. “Comparamos os resultados obtidos através da simulação feita no computador com as informações reunidas ao longo de décadas de observações científicas”, conta.
O grupo sugere no estudo Evolution and stability of ring species, publicado em 12 de março na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), que diferenças genéticas não se acumulam apenas quando uma população é forçada ao isolamento geográfico. Como boa parte dos biólogos acredita hoje em dia, o surgimento de novas espécies pode se dar quando o isolamento é apenas parcial ou mesmo sem quaisquer barreiras geográficas.
Há 10 mil anos, com o fim da última era glacial, a população de felosas, que se encontrava até então confinada ao sul do platô tibetano, pôde se espalhar por um território enorme em torno dessa área na direção norte depois que o gelo derreteu e a mata se desenvolveu.
Hoje, exemplares dessa espécie de ave são encontrados numa região muito extensa em forma de anel em torno do platô que, de norte a sul, vai do norte da Rússia à Índia, e de leste a oeste, compreende o litoral da China e o Leste Europeu. O centro dessa área circular, conhecido como platô tibetano, não apresenta condições que permitam a presença deste pássaro.
Ao introduzirem no modelo de computador algumas variantes, como taxas de reprodução, mortalidade, deslocamento ou mutação genética, os cientistas puderam simular a expansão da população de modo semelhante ao que ocorreu após o fim da era do gelo. A população, inicialmente confinada a uma região mais ao sul, cresceu contornando uma barreira, nesse caso o platô. No entanto, os dois extremos da população que voltaram a se encontrar ao norte da barreira não se reconhecem mais. Efetivamente é como se fossem espécies distintas.
“Esse processo evolutivo é descrito de forma bastante realista pelo programa. A importância do trabalho é que, com o modelo, é possível simular o que pode ocorrer no futuro. A previsão da equipe é de que esse anel de pássaros deve realmente ‘especiar’ – se quebrar em espécies distintas – dentro de aproximadamente 30 mil anos”, declara o professor.
Em 2009, o grupo de Aguiar já havia anunciado a criação do modelo matemático que prevê o desenvolvimento das espécies usando a Física Matemática. Para mais informações, leia o artigoBiodiversidade sem fronteiras, publicada na edição 162 da Revista Pesquisa FAPESP, em agosto de 2009.
Imagem retirada de http://www.avianweb.com

terça-feira, 26 de março de 2013

Armadilhas do ensino de Evolução


A teoria da origem das espécies pela seleção natural, aquilo que chamamos de evolução, é muito simples. Tão simples que não é preciso ser biólogo, cientista ou mesmo alfabetizado para entende-la. Mas ainda assim, uma grande parcela das pessoas não conseguem entender esta teoria tão simples. E diversas pesquisas mostram que, a maioria das pessoas que não aceitam a teoria da evolução (como uma explicação para a origem das espécies) na verdade não entendem a base da teoria.

Ou seja, o problema não está nas evidências, nem na complexidade da teoria, está na forma como ensinamos evolução.

Para ensinar evolução, ou para debater sobre evolução, é necessário não apenas conhecimento do processo evolutivo, mas também como empregar corretamente os termos em uso, como evitar frases confusas e como não deixar uma impressão errada.

Os argumentos mais comuns de quem não aceita a Teoria da Evolução são: 1) “Como o nome diz, é apenas uma teoria.”; 2) “Você acredita da evolução e acreditar é baseado em fé.”; 3) “Você quer que eu acredite que os seres humanos surgiram por acaso?”; e 4) “Onde estão os elos perdidos que nos ligam aos macacos?”

Abaixo vou falar um pouco de cada um destes problemas, que não são os únicos problemas no ensino de evolução, mas vai bastar por hora.

Teoria x Hipótese

Dificilmente alguém sabe a diferença entre uma teoria e uma hipótese. O senso comum nos diz que são as mesmas coisas. E isso atrapalha bastante, pois passa a idéia de que uma teoria é apenas uma “opinião pessoal”. Mas não é. 

Uma teoria é uma explicação. A validade de uma teoria se baseia na sua habilidade de explicar o fenômeno. Teorias podem ser apoiadas, refutadas ou modificadas com base em novas evidências. A Teoria da Gravidade, por exemplo, tenta explicar a natureza da gravidade. A Teoria Celular explica o funcionamento da célula. A Teoria evolutiva explica a história da vida na Terra. A Teoria evolutiva é suportada por um incontável número de evidências, que vão desde nosso DNA (e o DNA de todos os seres vivos); passando pela vida celular e por todos os seres vivos na Terra; até o registro fóssil (que você pode ver em diversos museus). Desde que a Teoria da evolução foi criada no fim do século 19, algumas evidências surgiram para que nós a modificássemos um pouco (ajustássemos alguns pontos), mas até hoje não surgiu uma única evidência de que a Teoria da evolução está incorreta. Que evidência acabaria com a teoria da evolução? Muitas. Por exemplo, se alguém encontrasse um único fóssil de coelho junto com o fóssil de algum dinossauro! Mas nunca encontramos tal coisa.

E o que é uma hipótese então? Uma hipótese é uma ideia testável. Cientistas não tentam “provar” hipóteses, mas sim testá-las. Geralmente múltiplas hipóteses são propostas para explicar fenômenos e o objetivo da pesquisa é eliminar as incorretas. Hipóteses vêm e vão aos montes, mas teorias geralmente permanecem para serem testadas e modificadas por décadas ou séculos. Em ciência, teorias nunca são suposições ou palpites e descrever evolução como “só uma teoria” é impróprio.

Acreditar ou Aceitar

“Você acredita na evolução?” é uma pergunta geralmente feita para professores de biologia pelos seus confusos alunos. A resposta é “Não, eu aceito o fato de que a Terra é muito antiga e que a vida tem mudado ao longo de bilhões de anos porque isso é o que as evidências nos dizem”. Ciência não se trata de crenças – mas sim de fazer inferências baseadas em evidências.

Aleatoriedade e evolução

Mutações, que criam a variação, acontecem por acaso. Mas a seleção destes variantes não. Ou seja, a variação é aleatória, seleção normalmente não é. A seleção de traços favoráveis dentro de uma população ocorre quando os seres vivos superam todos os desafios apresentados a eles. Essas pressões não são aleatórias, mas determinadas por leis físicas. Excetuando-se a árvore que, por azar, cai em um organismo ou o vulcão que devasta uma população, seleção não é aleatória e evolução não acontece por acaso.

Elos perdidos

É fato que o registro fóssil é incompleto. Nem todos os seres vivos ou toda espécie foi contida em registros fósseis, muito menos descoberta para análise. A teoria da evolução está preocupada em enxergar os padrões e entender formas transicionais não em fazer um estudo genealógico de todos os seres vivos. Portanto, o termo “elo perdido” não tem sentido quando se trata de entender a história da vida.

Para entender melhor, imagine um indivíduo com olhos puxados. Mesmo sem saber quem são os pais dele, você pode dizer, com um elevado grau de certeza, que este indivíduo possui descendência asiática. Você pode afirmar, com certa confiança, que algum ancestral dele nasceu e viveu em algum lugar da Ásia. Se você fosse especialista em anatomia de asiáticos, você até poderia dizer se o ancestral dele viveu na China, no Japão, no sudeste asiático, etc... Ou seja, você não precisa do pai, do avô, do bisavô e, por fim, seguir toda a genealogia do indivíduo para fazer estas afirmações. Com alguns dados e por comparação, você pode fazer inferências sobre a ancestralidade de um indivíduo.

Bom. Este texto foi retirado e adaptado do Entendendo aEvolução. É um programa interativo excelente e recomendo a todos!

Abraços

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A memória da água – Parte 2


Neste post eu falei basicamente como a hipótese de memória da água surgiu, foi testada e reprovada pela avaliação crítica. Agora, vamos fazer um exercício que é muito saudável para qualquer pessoa. Vamos imaginar que a água realmente absorve a memória funcional de outras moléculas e verificar as implicações disso. Aqui, como não sou químico nem físico, eu vou focar em sistemas biológicos, tentado explicar da melhor forma possível a implicação da hipótese de memória da água na biologia.

Mas antes de começar com os exemplos, vamos falar de como se dão as interações de moléculas em organismos vivos. A vida, só é possível porque diferentes moléculas interagem com extrema precisão, quase sempre sem erros e enganos. Esta interação específica se dá, primariamente, por duas características das moléculas: 1) a forma tridimensional e 2) a distribuição de cargas positivas e negativas nas moléculas. Isto cria um sistema vulgarmente chamado de “chave-fechadura”. 

A figura abaixo mostra como uma molécula (que podemos considerar a “chave”) se encaixa com perfeição em uma proteína (que podemos considerar a fechadura). Se a molécula ou a proteína possuírem alguma modificação na forma tridimensional ou na distribuição de cargas elétricas, o encaixe não ocorrerá e não haverá interação. A hipótese de memória da água diz que uma molécula de água (mostrada na figura ao lado) pode adquirir a mesma função da molécula ativadora da enzima, ou seja, de alguma forma ela pode se encaixar naquele espaço específico e ativar a enzima específica. E, se isso for verdade precisamos lidar com alguns problemas fundamentais.



Estrutura da proteína Bcl-2 (superfície vermelho, azul e branco) ligada a uma porção da proteína Bax (bolinhas cinzas e palitos). Quando estas proteínas estão ligadas, como mostrado, células tumorais podem sobreviver e crescer. (1)

Uma coisa que a maioria dos biólogos fazem rotineiramente é diluir moléculas em água e agitar esta solução vigorosamente. Este processo é basicamente o mesmo usado para o processo de “memorização” da água. Ou seja, em teoria, estamos dando uma memória funcional à água no dia a dia de um laboratório de biologia. Vou dar um exemplo do meu cotidiano. Todos os dias eu uso uma técnica para produzir cópia de DNA no meu laboratório, chamada de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). Para o PCR funcionar, eu preciso diluir uma molécula específica (chamada de Iniciador) em água. Depois, basicamente, eu uso parte desta solução em outra contendo o DNA e uma enzima. O PCR só funciona se o iniciador interagir de forma muito específica com o DNA. Se considerarmos a memória da água, então cada molécula de água (ou um conjunto de moléculas de água) passaria a ter as propriedades funcionais do meu iniciador. Mas e qual seria o problema?

Bom, vamos falar do motivo de eu diluir meu iniciador na água. Eu faço a diluição para que, no final, eu tenha, por exemplo, 1 molécula de iniciador para 1 milhão de moléculas de água. Isso me ajuda a controlar a eficiência do PCR. Se a água ganhar a memória do iniciador, então eu terei, na pior das hipóteses 1 milhão de moléculas iniciadoras (na melhor das hipóteses seria alguns milhares). Até aí tudo bem, só que eu posso medir a eficiência do PCR e medir quantas moléculas de iniciador foram consumidas ao final da reação. E o que eu obtenho é incompatível com a memória da água. Ao final do PCR, em geral, eu observo uma eficiência de 98% da reação, e vejo que aproximadamente 98% dos iniciadores foram consumidos. Mas como isso vai contra a memória da água. Bom, se á água tivesse a memória funcional, o que aconteceria é que a água seria tão abundante na reação que dificilmente um dos iniciadores seria utilizado, logo, eu não poderia observar que 98% dos iniciadores forma utilizados. Provavelmente nenhum iniciador seria utilizado. Mais importante, pela teoria da memória da água, eu nem precisaria ter iniciadores na minha solução para que a reação de PCR funcionasse. Mas ontem mesmo eu fiz um experimento destes e, a partir de uma diluição de 250 vezes a reação já não funcionou. No meu caso, uma diluição de 250 vezes não é muita coisa quando comparada a diluição realizada para medicamentos homeopáticos.

Se você ainda não está convencido aqui vai outro exemplo da bioquímica. Um procedimento comum em bioquímica é medir a eficiência de enzimas. Para isso, é colocada em uma solução uma quantidade conhecida de enzimas e de moléculas que interagem com estas enzimas. Para isso as moléculas são diluídas e passam pelo mesmo processo que, hipoteticamente, dariam a memória funcional à água. Para medir a eficiência da enzima, é medido o produto da reação da interação entre a enzima e a molécula ativadora. Este produto pode ser qualquer coisa, desde gás carbônico a até um corante.

Um exemplo é a medição de eficiência da enzima Beta-galactosidase. Neste caso, a Beta-galactosidase interage com a molécula X-gal e o produto desta reação é uma molécula de nome complicado, mas que tem a cor azul. Ou seja, conforme a enzima interage com a molécula, a solução vai ficando mais e mais azul. Se a memória da água for verdade, então, quando diluímos a molécula X-gal, todas as moléculas de água adquirirão a função e a capacidade da X-gal. Logo, ao invés de termos uma solução cada vez mais diluída, teremos na verdade milhares de moléculas de água com a capacidade de agir exatamente como a X-gal. E qual o problema?

Reação enzimatica na qual a enzima Beta-galactosidase hidroliza a molecula X-gal, gerando um produto de cor azul.

Bem, neste caso, em um experimento simples, em que testamos a eficiência da Beta-galactosidase em soluções com diferentes diluições de X-gal, o que aconteceria, se a água tiver adquirido a memoria da X-gal, é que ao final da reação a tonalidade da cor azul seria igual em qualquer diluição (podemos medir a quantidade de corante usando um aparelho chamado espectrofotômetro), mesmo quando a diluição for grande o suficiente para que não haja nenhuma molécula de X-gal na solução original. Só que o que vemos é que a cada diluição, a quantidade de cor azul diminui proporcionalmente até que não possa mais ser observada (mesmo em diluições pequenas, quando ainda temos moléculas de X-gal na solução). Olhando a figura acima, vemos que a molécula de X-gal é bem complexa e que a molécula que da a cor azul (o 5,5’-Dibromo-4,4’dicloroindigo) é ainda mais complexa. Bem mais complexas que uma molécula de água. Na verdade, sabemos que esta reação só ocorre porque a enzima Beta-galactosidase possui um local no qual a X-Gal se encaixa com perfeição e só com este encaixe específico a reação pode acontecer.
O fato é que observamos todos os dias que, quanto mais diluída for uma substância, menor a quantidade da substância na solução, logo, menos perceptível ela será.

Um experimento mental interessante para verificar a memória da água é o seguinte. A molécula de glicose interage com proteínas em diversos momentos em nosso organismo. Um destes momentos é logo quando ingerimos a molécula. Ela interage com proteínas nas células em nossa língua e isso causa uma reação que envia um sinal a seu cérebro que diz que aquela molécula é doce. Para o experimento você precisará de uma colher de chá de açúcar, 4 litros de água pura e fervida, um conta-gotas e 4 garrafas de 1 litro. Imagine pegar uma colher de açúcar e colocar na boca. Você sentira o gosto doce do açúcar com certeza. Agora pegue a mesma colher e dissolva em 1 litro da água fervida. Agite vigorosamente por 1 minuto (é, você vai cansar!) e retire uma gota desta água com açúcar e misture. Pegue esta gota e coloque na próxima garrafa com água e continue o processo. Se a água tem a capacidade de adquirir a memória funcional do açúcar, na última garrafa você terá um litro de água em que cada molécula de água agirá como se fosse uma molécula de açúcar. Ou seja, basicamente, você terá 1 kg de açúcar. Agora retire uma colher desta água e experimente. Esta colher terá que ser tão doce quanto a colher com açúcar puro. O que você acha que acontecerá?

Embora os exemplos dados aqui sejam de experimentos que não tem o objetivo de avaliar a memória da água, eles mostram bem que, qualquer que fosse o grau de memória da água, este fenômeno mudaria a forma como fazemos biologia. Mas não mudaria agora, depois que a hipótese foi proposta, teria mudado muito antes. Algo de tal magnitude dificilmente teria passado despercebido em mais de um século de biologia, química e física experimental. Eu posso trazer ainda mais argumentos que mostram outros problemas que teríamos se a água fosse realmente capaz de adquirir a memória funcional de outras moléculas. Mas se juntarmos os argumentos acima, com o contexto de como a hipótese surgiu, e um pouco de avaliação crítica, chegaremos a uma conclusão de que a improbabilidade de a água possui tal aspecto é de tal tamanho que podemos considerar nulo. Ou seja, a água não é capaz de adquirir a memória funcional de outras moléculas.

(1)    http://blogs.nature.com/soapboxscience/2012/02/15/does-a-new-treatment-for-leukemia-herald-a-new-era-in-drug-discovery