É de aceite geral, entre biólogos e muitos outros cientistas, que a evolução das espécies ocorre de forma lenta, ao longo de milhares ou milhões de anos. E esta é uma das grandes dificuldades no ensino de evolução. Porque a noção de “milhões de anos”, para nós humanos que vivemos em média 70 anos, é por demais abstrata. Em outro post eu falarei mais sobre como contornar esta abstração, mas por agora, vamos falar de exemplos que demonstram a evolução em uma escala humana (de uma ou duas gerações de seres humanos).
O primeiro exemplo que vou usar é do Lagarto-de-Parede, comum na Itália e no litoral do Mar Adriático. Em 1971, biólogos moveram 5 pares de adultos deste lagarto para uma ilha em que esta espécie não existia. Trinte e seis anos depois (36 anos), os biólogos retornaram sem ter qualquer idéia se os lagartos tinham sobrevivido ou não. Para a surpresa de todos, não só os lagartos haviam sobrevivido, como haviam sofrido mudanças drásticas em sua anatomia, fisiologia e até mesmo comportamento social. Apenas 36 anos e tantas mudanças!
As mudanças observadas, comparadas com os lagartos da população original, foram: Mudanças no tamanho e forma da cabeça, na força da mordida, desenvolvimento de novas estruturas no trato digestivo e, por fim, aumento nas densidades populacionais. Mas como tais mudanças ocorreram?
Para isso é preciso entender um pouco o novo habitat em que estes cinco casais foram largados. Primeiro que o novo lar dos lagartos não continham nenhuma outra espécie de lagarto. Segundo que a ilha não possuía os insetos que os lagartos se alimentavam, ou seja, não possuía a presa natural, ou o alimento natural destes lagartos-de-parede. Como os lagartos sobreviveram então se não havia alimento para eles?
Bom. Não haviam os insetos, mas a ilha era toda coberta por uma espécie de planta fibrosa. Alguns lagartos conseguiam se alimentar desta planta e estes tiveram mais filhos (e seus filhos herdaram a capacidade de se alimentar das plantas). Os lagartos que não eram capazes de se alimentar de plantas, morreram de inanição (isso é Seleção natural). Quanto mais forte a mordida, mais fácil é para se alimentar de plantas fibrosas. Assim, a cada geração, alguns indivíduos nasciam com cabeças um pouco maiores que o normal. Como a cabeça maior está associada a uma mordida mais forte, estes indivíduos de cabeça maior tinham mais sucesso em ter filhos (que herdavam a cabeça maior). Desta forma, a cabeça maior, mais longa, com mordida mais forte, foi sendo selecionada ao longo das gerações.
Mas para se alimentar de vegetais, não basta uma boa mordida. Vegetais são de difícil digestão e a maioria dos animais herbivoros possuem sistemas digestivos adequados para lidar com esta digestão. Os sistemas digestivos de herbívoros podem ser caracterizados por duas coisas: 1) o trato digestivo é dividido em câmaras (separadas por válvulas) nas quais ocorre a fermentação da fibra vegetal e 2) o trato digestivo é ocupado por microorganismos que fazem esta fermentação.
A população original de lagartos (carnívora) não possuía nenhuma destas características de tratos digestivos. Mas 36 anos depois, os pesquisadores observaram que os lagartos transferidos para o novo habitat tinham válvulas cecais (que dividiam o trato digestivo em câmaras), e que cada câmara possuía um conjunto de microorganismos que faziam a fermentação das fibras vegetais. Essa é uma mudança drástica! Somente 1% dos répteis do mundo inteiro possuem um sistema digestivo assim e, quero salientar mais uma vez, o lagarto-de-parede não possui este sistema digestivo. Como os lagartos da ilha passaram a ter um sistema digestivo adaptado a digestão de vegetais? Da mesma forma que ocorreram as mudanças na forma e tamanho da cabeça. Alguns lagartos nasciam com o sistema digestivo um pouco mais compartimentalizado, e isso já era uma vantagem enorme na obtenção de nutrientes. Outros eram tolerantes a “infecção” pelos microorganismos que fazem fermentação e isso também conferia uma vantagem nutricional. Em algum momento, indivíduos com o trato digestivo mais compartimentalizado cruzou com indivíduos tolerantes a microorganismos fermentantes e, os filhotes, nasceram com grande vantagem em relação aos indivíduos que só faziam um ou outro. Assim, a cada geração, nascem indivíduos que possuem o sistema digestivo mais compartimentalizado e mais tolerante a microorganismos fermentantes.
Por fim, temos as mudanças na densidade populacional. E essa é mais fácil de entender. Os lagartos das populações originais se alimentam de insetos, ou seja, são caçadores. Eles dependem da habilidade de pegar a presa e, também da disponibilidade de presas. E estes são fatores limitantes na manutenção da baixa densidade populacional. Já os lagartos da ilha em questão, quando, após muitas gerações, a maioria dos indivíduos já eram bem adaptados a se alimentar de vegetais, eles possuíam pela frente não só um alimento em grande abundância, mas também um alimento muito fácil de se obter (afinal, plantas não fogem). Isso permitiu que a densidade populacional aumentasse bastante, pois a disponibilidade de alimento já não era mais um fator limitante.
Para fechar o assunto, quero salientar mais algumas coisas. É importante que o leitor note que as mudanças ocorrem a cada geração, ou seja, os indivíduos, depois que nascem, não mudam (anatômica e fisiologicamente) para se adaptar. O que ocorre é que a cada geração nascem indivíduos um pouco mais adaptados que seus irmãos. Também é importante salientar que, mesmo os lagartos da ilha, mesmo sendo muito diferentes das populações originais, não se são caracterizados como uma nova espécie. Eles podem até vir a se tornar espécies distintas no futuro (quanto mais tempo passar, maior a chance das populações se tornarem incompatíveis reprodutivamente), mas é impossível saber quanto tempo isso levará. Por fim, que este é um exemplo extraordinário de como mudanças anatômicas, fisiológicas e comportamentais podem acontecer em um espaço curto de tempo. E se tais mudanças podem acontecer em apenas 36 anos, imagine o que não aconteceria em 100 anos, 1.000 anos, em 1 milhão de anos ou, mais ainda, 100 milhões de anos (um tempo quase 3 milhões de vezes mais longo que os 36 anos vistos aqui)!